Thursday, December 08, 2011

Uma menina no México...

Esta é a história de uma menina Portuguesa, cuja paixão pelas artes e pelas viagens acabou por influenciar, de forma marcante, o rumo da sua vida. Vive, actualmente, no México, no Estado de Chiapas, onde encontrou o seu lugar no Mundo e um ponto de referência que tem dado espaço à sua arte e à sua imaginação.
Aqui ficam alguns momentos do seu percurso, que nos dão a conhecer um pouco da sua história. Ora vamos lá …
Tudo começou há trinta e quatro anos quando eu, uma jovem mãe de vinte, me confrontei com a expectativa do primeiro filho, perguntando a mim mesma se seria menino ou menina. Na altura só se faziam ecografias durante a gravidez se algo corresse mal, como o contacto com doenças infecto-contagiosas ou, se existissem antecedentes familiares genéticos que implicassem risco de deficiência ou má formação do feto. Como não me encontrava em nenhuma destas situações, não soube o sexo do meu bébé, até à data do seu nascimento.
Tudo começou a 29 de Julho de 1978, cerca das dez horas da manhã, quando senti as primeiras contrações. Após doze longas horas de trabalho de parto, às dez da noite em ponto, anunciadas pelas badaladas do relógio do Largo do Caldas, em Lisboa, nasceu a minha linda Vanessa, uma rapariga tranquila e sem pressas.
A sua vontade de chorar, comum aos recem chegados a este Mundo, não era muita, pois vinha muito cansada com o esforço que fez para nascer. De imediato, levaram-na para aspirar e dar oxigénio pois mal respirava.
No meio da confusão, ouvi a voz da enfermeira que a levou a correr, gritar: É uma menina!’
Eu, também cansada e atordoada, felizmente não me apercebi do perigo que a minha menina correu. Passado algum tempo, não terá sido muito, trouxeram-na para junto de mim.
- Que linda! Pensei.
Vestia um coeirinho de cambraia azul clara, salpicada com flores brancas e rosa que a Laida (a sua futura ama) lhe tinha feito, durante a minha gravidez. Rosadinha, com o cabelito castanho escuro, muito penteadinho, tinha um olhar suave e muito atento.
De tanto a puxarem para o Mundo do lado de cá, ficou com "cabecita de melão". Bom, nada de preocupante pois a cabecita retomou a sua forma natural, passados um ou dois dias.
Pousaram-na sobre a minha barriga ainda dorida e..., lá ficou a ela muito calma, a olhar para a mim com se dissesse:
- Olá mãe! Finalmente, conheço o teu sorriso.
Tanta tranquilidade, leva-me a pensar que se calhar já sonhava com o yoga, com as artes e as aventuras da vida...
Desde pequenina, mesmo antes de começar a andar, a Vanessa adorava ficar junto a mim na cozinha, enquanto eu preparava as refeições. Sentada no chão, sobre uma grande e fofa manta de retalhos, ficava rodeada dos livros e das revistas que eu ali colocava.
Curiosamente, em vez de amassar as folhas para escutar o barulho do papel entre as mãos, tendência habitual dos bébés grandotes, passavas-as uma a uma, com muito cuidado, olhando atentamente as imagens. Ao mesmo tempo, contava em voz alta as histórias que as imagens lhe inspiravam.
- Mã! Mã! Chamava-me ela, ao mesmo tempo que me tocava nas pernas, tentando captar a minha atenção.
- A nina do vestido marelo leva o gatinho banco no colinho. Ela vai ao dôtô com o miau para ele levar a pica no báço, igual a mim, não é mã? Ai, ai, ai, … tadinho! Ponto, ponto, miau. Não chóia tábém? Não chóia mais. Eu dou uns jinhos no dó-dói do miau e passa logo. Faço igual como a mã faz no dó-dói do meu báço, tábem miau quido?
E com as pequenas mãos coladas à boca mandava muitos beijinhos e soprava, soprava com quanta força tinha, na direcção da imagem do gato. Ao mesmo tempo cobria de festas a revista ou o livro tentando aliviar a dor do pobre bichano.
E lá ia ela mudando as páginas, uma após a outra, contando histórias e histórias sem fim, até à hora do jantar.
Ler foi sempre uma das suas grandes paixões, diga-se de passagem muito incentivada por “moi même”. Raro era o dia em que não lhe contava ou lhe lia uma nova história. Antes de ela dormir, repetia-lhe, vezes sem conta, que um dia ela seria capaz de ler sozinha.
- Então que história queres ouvir hoje?
- Aquela do menino que vai brincar com o coelhinho.
- Era uma vez, um menino que tinha um lindo coelhinho branco. O coelhinho e o menino iam sempre brincar às escondidas para o jardim. Um dia…
- Mã pára, pára! Não é assim! O coelhinho e o menino iam sempre brincar à cabra-cega, não era às escondidas. Não te lembras mã?
- Pois é minha filha, tens razão! Iam brincar à cabra-cega. Um dia …, e lá continuava eu até que o soninho se enroscasse na minha Vanessa e vencesse a sua curiosidade pelo desfexo da história.
Já com seis anitos, chegou o momento em que orgulhosa me leu, pela primeira, uma pequena frase.
- Mã! Mã! Já sei ler. Queres ver? Queres ver? Muito feliz com a conquista, segurou o livro que tinha entre as mãos e leu, devagar:
- Cá … vamos … nós! Era um livrinho do Snoopy!
Apanhada de surpresa, fique ali especada a saborear a alegria que a invadiu. A emoção foi tão forte que fiquei colada ao chão. De repente, corri para ela e cobri-a de beijos.
- Minha querida filha, estou muito feliz! Eu não te dizia? Agora já podes ler as histórias que tu quiseres.
Para além da leitura, também o desenho, desde muito cedo, fez parte dos encantos da sua vida. Horas e horas a fio com umas folhas de papel, lápis de cor, tintas e pincéis... e, o tempo, para ela, não tinha tempo. O amor pelas artes já se desenhava e veio mais tarde a influenciar as suas escolhas académicas, com destaque para as artes plásticas.
Atravessou os primeiros anos de escola muito feliz. Querida pelos coleguinhas do colégio, era sempre chamada a participar nas brincadeiras. A sua criatividade e a sua solidariedade eram grandes.
O espírito empreendedor e o gosto pelas actividades de grupo (trabalhar em projectos da turma, projectos da escola, …) começavam então a tomar forma.
Relato em seguida dois episódios muito engraçados reveladores de um carácter muito especial, que a acompanha, ainda hoje.
O primeiro tem a ver com uma reguada colectiva dada na Escola Primária. Ninguém se acusou quanto à autoria de uma partida feita ao professor Calapês e levaram todos, mesmo a Vanessa, uma das alunas mais adoradas. Mais tarde, um pouco comprometido, o professor pediu-me desculpa sobre o sucedido. Para seu grande espanto, eu desconhecia o facto. Quase todos os pais o tinham abordado demonstrando o seu desagrado, o que indiciava que a maioria das crianças se tinha queixado em casa. Quando perguntei à Vanessa a razão pela qual nada dissera, encolheu os ombros e disse:
- Mã! Ele tinha razão para estar tão zangado. E ficou-se por ali, sem mais explicações.
O outro episódio passou-se já na Escola Secundária, quando trabalhou arduamente na organização de um leilão de trabalhos dos alunos da área de Artes, destinado a recolher fundos para a viagem de finalistas a Barcelona.
Graças a uma série de iniciativas em que colaborou, sempre de forma muito activa, pedindo aqui e além ajudas extra escolares (os rissóis que a avó fez para vender no bar da escola, a bola de futebol assinada pelos jogadores do Sporting que foi leiloada num fim de semana na Taverna dos Trovadores, em Sintra) conseguiu arranjar um bom dinheiro para turma. Cerca de dez viagens foram pagas face à sua determinação. Em nenhum momento a vi assumir aquela vitória, de um terço das viagens da turma. Irem todos foi, de facto, o mais importante para ela e, também, o que sempre lhe moveu a vontade.
Mais tarde, já na Faculdade, não resistiu ao envolvimento activo no movimento estudantil. Seis meses após a sua entrada na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, iniciou as primeiras actividades na Associação de Estudantes, onde permaneceu até ao final da Licenciatura, em Escultura.
No meio de todas estas andanças, o gosto pelas viagens também se foi enraizando. Saiu pela primeira vez de Portugal em 1992, com destino a Barcelona (visita de grupo à Expo 92). Tinha então catorze anos e, a partir daí, nunca mais parou.
Todo o dinheirinho extra que juntava, entre o que sobrava das mesadas que lhe dava e o que ganhava nos projectos de trabalho em que participava, era gasto em livros, CDs, espectáculos e viagens (Barcelona, Galiza, Bilbau, Paris, Viena d’ Áustria, …).
O Programa de Intercâmbio Universitário “Erasmus” proporcionou-lhe a estadia na Grécia, na Faculdade de Belas Artes de Atenas. Viajou e conheceu tudo o que pode, naqueles cinco meses e ainda trouxe um dezoito, prémio do barco que construiu, na classe de escultura de pedra.
O talento nas Artes Plásticas, com forte especialização na Cerâmica (muito em especial com o trabalho em Terracota) cresceu com ela, à medida que foi aperfeiçoando as técnicas e solidificando os conhecimentos adquiridos nos cinco anos de Faculdade e, com a experiência ganha nos diferentes projectos de trabalho em que participou.
Da clausura de alguns meses em que viveu e trabalhou em Montemor-o-Novo, no ano de 2003, vem a nascer a sua grande peça de escultura: O Tapete Voador!
Trinta metros de Suor, trinta metros de Talento e Alma, trinta metros de Paixão pela Arte, trinta metros de Sonhos, trinta metros de um puzzle de ladrilhos, entrelaçado em fios de Amor. A mais grandiosa peça que até hoje expôs.
Lembro-me que então se virou para mim e disse, orgulhosa e feliz:
- Mã… esta é a minha grande obra. Esta é “A Obra”.
Em 2004, a sua paixão pelas artes acabou por levá-la para fora de Portugal. Viajou para o México, onde permanece até hoje. Já lá vão sete anos!
Levou-a uma bolsa da UNESCO que premiou um projecto de trabalho, ao qual se candidatou na área das Artes Plásticas e, lá foi ela a caminho do Sul do México onde realzou a sua primeira exposição individual de escultura, na cidade de Mérida. Inspirada no lugar onde residiu três meses (aldeia de Cholul), projectou e construiu essa mesma aldeia em miniatura, com a traça das casas, retratando em simultâneo os hábitos das gentes locais.
Na sala da exposição, naquela noite quente de final de Primavera, as pequenas lâmpadas que atravessavam as portas e janelas das casas e da igreja da aldeia faziam lembrar um presépio gigante iluminado, com luzinhas verdes, azuis, vermelhas, amarelas, roxas, laranja...
Emocionada...., disse-lhe:
- Que lindo filha! Parece uma aldeia encantada.
- Até dá vontade de brincar com as casas, com os bonecos, com os bichos, … não é mã?
E, mais uma vez a vi sorrir, feliz.
Para as crianças que um dia venham a ler ou ouvir contar esta história, é difícil imaginar o que as mães sentem ao ver o seu bébé crescer, crescer, crescer sem parar... e, virar gente grande. Ainda há bem pouco estava ao meu colinho e agora, já é tão grande, com asas para voar.
Bom…, fora com os pensamentos tristes e voltemos à grande aventura da minha querida Vanessa, em terras Mexicanas.
Acabado o trabalho na Fundação de Cholul, mochila às costas e toca a viajar por esse México imenso. Subiu em direcção ao Estado de Chiapas e chegou a San Cristobal de Las Casas, uma pequena cidade colonial que conquistou o seu coração.
As gentes, o lugar, a simplicidade de vida, um amor mexicano e as oportunidades que se lhe abriram no campo das artes e noutras áreas afins, acabaram por a prender aquele lugar.
Está a terminar o Curso de Artes Profissionais de Confecção de Moda, trabalhou como professora de Artes Plásticas num Colégio do Secundário, é mestra de Ashtanga Yoga e dá aulas de Desenho. Como complemento destas actividades mais fixas, orienta Workshops de iniciação à língua Espanhola, frequentados por alunos estrangeiros, recém chegados às Faculdades da cidade. Para além disso, muitas outras coisas têm ainda lugar nas suas paixões de vida, entre as quais o Shiatsu, em que se está a especializar e as acções de voluntariado em que se envolve, com gosto.
Esta história foi pensada em homenagem à sua coragem, à garra e à determinação que colocou na busca do seu sentido de vida e da sua felicidade.
Mesmo com trinta e três anos de idade, será sempre a eterna menina da sua mãe.
- Vanessa… apesar da distância e do mar que nos separa, estás e estarás sempre no meu coração e no meu pensamento.
Esta é a minha prenda de Natal para ti e, também, uma forma de declarar publicamente, neste Dia da Mãe, o Amor que te tenho.
- Que sejas feliz, sempre!
E muito ficou, ainda, por contar…

Beijos,
da Princesa!





PS: Esta é uma ideia que iniciei em Julho de 2007 e que completei hoje! :)

4 comments:

Maria said...

Comoveste-me...
Um abraço muito forte para ti.

Princesa Isabel said...

Para ti também Maria!
Um grande abraço!
Até breve...

vanessa said...

olá maezinha
apesar de que já agradeci por telefone a linda surpresa destas festas também quis deixar a mensagem no blog, desde as coisas que me lembro até ás que não me lembro foi como se te estivesse a ouvir a contar-me a história e não como se a estivesse a ler deste outro lado do charco
beijocas
vanessa

Princesa Isabel said...

Adoro-te minha querida! Festas Felizesdo lado de lá do charco... :) (charco, boa escolha)
Por cá, embora não tenha a alegria de estar contigo "ao vivo", estarássempre no meu pensamento e no meu coração!
Muitos beijinhos,
mãe