Friday, October 12, 2007

Biofuel: que mitos?

Hoje, a abrir o noticiário das sete da Antena 3, ouvi uma notícia sobre os agro-combustíveis e os seus riscos.
Sem grande esforço, apesar de tão matinal hora, dei comigo a pensar:
- Que raio, nas últimas semanas não se tem falado de outra coisa (tirando aquela do Scolari, claro...) senão na gasolina verde e nos seus benefícios, pois até que enfim ouço uma chamada de atenção para os eminentes malefícios.
Apesar deste tema ser regularmente discutido e debatido, são mais escassos os alertas sobre as possíveis consequências dos "combustíveis verdes" na desflorestação, no desenvolvimento da agricultura, na fome mundial e nos novos níveis de emissão de dióxido de carbono para a atmosfera.
Em Julho passado foi publicado um comentário muito interessante no Herald Tribune que li por mero acaso quando pesquisava na Internet informação sobre esta temática. "The biofuel myths" assim se chamava o artigo escrito por Eric Holt-Giménez, professor universitário que integra uma das equipas do International Honors Programs, da Universidade de Boston.
As áreas de Agro-Ecologia, Agricultura Sustentável, Camponeses e Movimento Campesino são as de maior referência para os seus trabalhos, sendo a Américas Central e do Sul, os principais pontos de referência para a sua investigação.
Logo na altura apeteceu-me falar sobre o assunto mas a coisa passou e hoje ao escutar o comentário na rádio sobre a problemática da gasolina verde e a sua relação com a fome Mundial, relembrei o artigo então lido.
Segundo Eric "... in reality, biofuel draws its power from cornucopian myths and directs our attention away from economic interests that would benefit from the transition,..."
A rápida capitalização e concentração de poder nas indústrias de biofuel agigantam-se e segundo nos indica no artigo, o crescimento dos seus investimentos em biofuel ronda os 800%, nos últimos três anos.
O investigador é peremptório em afirmar que necessitamos de um inquérito público aos grandes mitos do Biofuel:

Biofuels are clean and green

A redução de emissão de gases para a atmosfera e a redução do consumo de combustíveis fósseis versus o crescimento de emissões provocadas pela desflorestação, incêndios, drenagens de turfas ...
É comentado no artigo que cada tonelada de óleo de palma gera 33 toneladas de emissões de dióxido de carbono (10 vezes mais que a gasolina normal).

Biofuels will not result in deforestation

Os adeptos do biofuel defendem que as culturas de cereais utilizados para a sua produção em terrenos degradados, irá melhorar em vez de destruir o ambiente.
Carregado de alguma ironia, Eric comenta que talvez o governo Brasileiro tivesse isto em mente quando reclassificou 200 milhões de hectares de floresta tropical seca como degradada e apta para cultivo.
Na realidade estes eco-sistemas da Floresta Atlântica (Cerrado e Pantanal) eram ocupados por indígenas, agricultores de subsistência e rancheiros com produção extensiva de gado. Com a introdução deste tipo de culturas são agora pressionados a deslocar-se para a zona agrícola de fronteira com a Amazónia, onde os níveis de devastação e desflorestação são bem conhecidos. Curiosamente, a NASA também correlacionou o seu preço de mercado do feijão de soja com os níveis de destruição da floresta tropical na Amazónica


Biofuels will bring rural development

100 Hectares de agricultura familiar nos trópicos geram 35 postos de trabalho versus 10 postos de trabalho gerados pela cultura da cana-de-açúcar e 0,5 posto de trabalho por cada 100 hectares de feijão de soja, todos muito mal remunerados. No mínimo dá que pensar...
Os pequenos produtores serão fortemente dependentes das grandes empresas produtoras e poucos benefícios retirarão deste tipo de culturas. Necessariamente, serão forçados a sair deste mercado, como as centenas de milhar já retirados das plantações de feijão de soja pela "República da Soja", uma área de 50 milhões de hectares no sul do Brasil, norte da Argentina e Paraguai e este da Bolívia.


Biofuels will not cause hunger

Na opinião do investigador a fome resulta não da escassez mas sim da pobreza.
Os mais pobres do Mundo já gastam 50 a 80% dos seus orçamentos familiares em alimentos (isto é, quando existe orçamento...) e são eles quem mais sofre com o "boom" dos preços dos cereais necessários à produção dos agro-combustíveis. Alimentos e cereais são, desta forma, competidores pela posse da terra e dos recursos naturais o que implica, igualmente, a subida de preços da terra e da água.

E agora, que fazer? Sempre que se pensam em alternativas interessantes para combater a fome e a pobreza, proteger o ambiente, etc., etc., passado pouco tempo lá temos nós à espreita "os Diabos" do costume para avaliarem como tirar o melhor partido disso em seu favor (poder, capital e interesses económico-financeiros andam sempre de mãos dadas) e lá se vão as boas intenções e as boas ideais para o espaço.
Partilho da opinião de Eric Holt-Giménez e penso que de facto urge estabelecer limites para este tipo de produções e há que manter vigilância apertada e uma forte pressão sobre os governos para os obrigar à publicação de leis que previnam a concentração deste mercado emergente em grandes corporações. Devemos, sobretudo, insistir para que este tipo de culturas seja um complemento e não a peça central, de modo a permitir um desenvolvimento rural sustentável.
Em contraponto a estas ameaças, infelizmente bem presentes, estão a emergir com força ideias e ideais associadas ao desenvolvimento sustentável, nomeadamente no plano das aldeias biológicas, do eco-agro turismo e muito mais.
Há que não baixar os braços e lutar pelo sonho de um futuro melhor.

Beijos,
da Princesa

PS - É verdade... esqueci-me de vos dizer que o senhor da foto é o Professor Eric Holt-Giménez

1 comment:

Rogério Charraz said...

Para mim não é surpresa, tudo o que é verde é de desconfiar! Eheh

Boa posta!

Beso.