Monday, December 22, 2014

A minha Mãe...




A 20 de Dezembro, Sábado passado, foi o aniversário da sua morte...
Sete anos voaram e só hoje me dei conta, que nessa mesma data, também, celebrei um dos meus sonhos de vida. Aposto que ela estava lá comigo, a partilhar a emoção, quando o coro do S. Carlos cantou o Aleluia. Ela, também, adorava este cântico!
Lembro-me, sempre, da minha Mãe por tudo e por nada...
Um gesto irreflectido, uma frase solta, uma circunstância qualquer, uma gargalhada bem dada. Também ela fechava os olhos e chorava a rir, como eu e a Vanessa, quando um momento bem divertido a apanhava, de surpresa.
Aqui recordo, com muita saudade, o texto que escrevi, em sua homenagem, no dia seguinte à sua morte.
Adoro-te Mãe, mesmo para além da Morte.

Beijos,
da Princesa! (tua filha adorada e, também, mãe de uma filha linda que adoro, incondicionalmente)

***

A relação que tive com a minha mãe em vida foi-se solidificando profundamente ao longo dos anos. O que era "guerra" na minha juventude e na minha breve adolescência foi tomando diferentes contornos ao longo das décadas que se foram passando, sendo que os últimos vinte anos foram especialmente ricos em termos de entre ajuda e cumplicidade.
Além de tudo o que me proporcionou durante a minha infância, em muitas circunstâncias com bastante sacrifício pessoal, devo-lhe uma preciosa ajuda afectiva e também financeira pois construiu a casa que eu e o irmão temos hoje. Devo-lhe, também, o apoio que deu à Vanessa enquanto fiz a minha Licenciatura de Sociologia à noite e o facto de nunca me ter criticado ou cobrado decisões de vida que tomei, fossem elas mais ou menos convencionais, mais ou menos polémicas.
E porque a admirei sempre por tudo isso procurei, muito em especial nestes últimos cinco anos em que mais precisou de mim, dar-lhe tudo o que pudesse facultar-lhe uma existência mais tranquila e uma melhor qualidade de vida. Dei-lhe sobretudo a minha presença constante, o meu amor e o meu carinho sinceros e penso que talvez isso tenha, também, contribuído para este penoso prolongamento da sua vida.
Aqui declaro muito do que sempre amou na vida para além da Vida em si mesma, pela qual era verdadeiramente apaixonada:
- Os filhos
- Uma bela gargalhada
- Uma cusquice "inocente", pelo prazer da novidade
- Animais, principalmente gatos
- Flores, principalmente rosas
- Uma bela sopa, principalmente de legumes ou de feijão
- Peixinho, principalmente carapaus grelhados
- Fruta, principalmente manga e quiwi
- Cuidar do quintal
- Fazer renda
- Juntar uns trocos, para o que desse e viesse

Finalmente a guerreira descansou e partiu para outra vida, no final da tarde de ontém.
Deixo-lhe como homenagem final este meu texto muito sentido e uma poesia de Sofia Mello Breyner Andresen:

Um dia

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais

E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.



Biografia
- Nome, Maria Julia de Brito Santos.
- Portuguesa, nascida a 27 de Setembro de 1918, no Lugar de Chamosinhos em S.Pedro da Torre, Valença do Minho
- Pastora até ao início da sua adolescência, trabalhou no campo desde os cinco anos de idade
- Saiu de casa aos dezoito anos, zangada com a mãe e com a vida de escrava que levava; partiu para Lisboa para trabalhar como criada interna, na casa de um casal de advogados.
- Foi cozinheira em várias casas particulares e restaurantes
- Encontrou o meu pai já "tarde" e decidiram viver juntos por volta dos seus 36 anos de idade.
- Teve a primeira filha com 38 anos (eu) e o segundo filho com 39 anos (o meu irmão Rui)
- Vivemos todos em Lisboa numa parte de casa alugada, até aos meus cinco anos de idade e em 1963 mudámos para a Amadora, para viver numa nova casa alugada (só nossa).
- Trabalhou em várias casas particulares como empregada doméstica até cerca dos 55 anos e, simultaneamente, fazia e vendia salgadinhos para vários Restaurantes e Pastelarias da Amadora e de Queluz; foi com esse rendimento extra ao salário do meu pai que conseguiu realizar o seu eterno sonho, comprar um terreno e construir uma casa.
- Mudou-se para a sua vivenda própria, com o meu pai e o meu irmão (eu já tinha casado), na segunda metade dos anos setenta.
- Viveu sempre intensamente, sempre com espírito de sacrifício mas com muita alegria;
- A partir dos sessenta anos superou vários problemas de saúdes graves: um cancro, uma operação complexa a uma artrose na anca, três acidentes vasculares cerebrais (detectados a partir dos 83 anos), um acidente vascular circulatório, a cegueira, a artereosclerose e uma pneumonia em 2006.
- Após resistir duas semanas a uma nova pneumonia e a uma insuficiência cardíaca, morreu no final da tarde de ontem, 20 de Dezembro de 2007, no Hospital Amadora-Sintra.

- Frase mais célebre: "Quem disse que Deus dá o frio conforme a roupa? Esse provérbio está errado! Ainda me lembro do barulho que faziam os meus dentes a bater quando estava a tiritar de frio ao caminhar no Inverno sobre a neve, só com um vestidinho fino em cima do pelo e umas socas de madeira nos pés, sem meias!!!"

- Algumas "rebeldias", além da fuga para Lisboa, em 1936, com a sua "valise de carton":

Na infância: Atava várias latas aos costados das cabras que pastava e ficava a rir que nem uma louca com o barulho que faziam ao descer, assustadas, as encostas rochosas da serra onde pastavam (sempre que nos contava esta traquinice partia-se a rir, quase sem fôlego, e os seus olhos brilhavam...)
Na adolescência: Fiava às escondidas da mãe, durante vários dias, as rocas da lã das ovelhas tosquiadas por ela e ia esconde-las fundo da cesta da ceia que levava para as noites de serão, onde havia sempre bailarico. A ideia era ter tempo para dançar toda a noite com o alfaiate da aldeia (que segundo ela dançava muito bem) e trazer para casa o "árduo trabalho das rocas fiadas ao serão", eh, eh, ...
Na juventude: Dava trolha a todos os gajos que se metiam com ela na rua e desde a estalada, ao murro e à canelada, valia tudo... Houve um desgraçado que até levou com água suja de lexívia, proveniente do balde com que lavava a escada interior do prédio onde trabalhava.
Não é por nada mas a Maria Júlia aos vintes era linda de morrer e o pessoal masculino não devia resistir a mandar-lhe uns piropos!!!!
Na velhice: Há cerca de dois anos, quando já não conseguia caminhar sem a ajuda das muletas, levantou-se da cama do Lar a meio da noite sem o auxílio destas e gritou pela empregada. Quando chegaram junto dela, estava de pé em perfeito equilíbrio, muito direita e sem o amparo das muletas.
Ao aperceber-se que alguém já estava junto dela gritou: "Aqui ninguém manda em mim! Eu faço o que quero!" É que nesse dia eu tinha-a criticado pelo facto de nem sempre querer jantar na mesa do refeitório e preferir que lhe trouxessem o tabuleiro até à sala, para não ter que se deslocar.

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